A arquiteta Letícia Achcar desenvolveu tintas à base de solo e água, sem a adição de metais pesados e derivados de petróleo, que no fim do ciclo de vida voltam a ser terra
Durante sua infância em Poços de Caldas (MG), a arquiteta Letícia Achcar costumava passar seu tempo brincando com argila e terra. O que ela sequer imaginava é que, anos mais tarde, esses materiais voltariam a fazer parte de sua vida. Enquanto fazia faculdade de Arquitetura na PUC de Campinas (SP), Letícia ficou admirada com o uso da terra como material de construção e resolveu se aprofundar no assunto. Virou pesquisadora e adepta de projetos pautados na linha organicista que, integrada com a natureza, utiliza técnicas e elementos naturais na construção. Proprietária de duas empresas, a Primamateria e a Tinta Solum, costuma dizer que a busca pela sustentabilidade é consequência deste ideal.
Foi a partir dos anos 1990 que sua carreira deu um salto. No início daquela década, enquanto estudava construções em terra crua para climas frios na Finlândia, coordenou um projeto de uma Ecohouse na Suécia. “Foi a primeira experiência de produzir e aplicar uma tinta de terra na fachada de uma casa”, relembra. De volta ao Brasil, seis anos depois, continuou se dedicando à construção sustentável e ao desenvolvimento de uma tinta de terra natural que abrangesse a riqueza de cores do solo brasileiro. Criou então a Tinta Solum, um produto natural feito à base de terra.
Há quase 10 anos no mercado, o produto vem sendo cada vez mais aplicado em projetos de arquitetos de destaque em vários pontos do País. Letícia detalha que o nível de consciência ambiental no preparo da Tinta Solum é presente desde a escolha da matéria-prima até a transformação da terra em tinta, sendo que no descarte a tinta volta a ser terra, completando o ciclo de vida do material.
A tinta é produzida com matéria-prima mineral, seu pigmento é a terra extraída de jazidas certificadas e usa como base a água. Isso significa que não tem em sua composição metais pesados encontrados em pigmentos sintéticos. Outra vantagem é que é livre de substâncias poluentes derivadas do petróleo que agridem a camada de ozônio, além de não possuir plastificante e não criar película ou bolhas, explica Letícia. Além de evitar a agressão ao meio ambiente, os benefícios também alcançam diretamente os consumidores. De acordo com a empresária, por ter o pigmento mineral, a tinta não desbota e torna a ambiente mais acústico. Atualmente a empresa oferece 15 cores em linha, sendo sete puras e oito misturas entre si, podendo ser produzidas tonalidades especiais.
Letícia também é proprietária da Primamateria, escritório que trabalha com sistemas e materiais de baixo impacto e arquitetura de terra, que se tornou uma referência no Brasil. Este conceito é incorporado, por exemplo, no edifício integrado ao meio ambiente através de soluções, sistemas e técnicas construtivas viáveis a cada contexto focando em eficiência energética, economia de custo e manutenção, bem como no uso de materiais que proporcionem conforto e bem-estar ao ser humano.
Ao cuidar dos seus negócios, a empresária procura nunca deixar de lado a coragem para vencer os desafios e jogo de cintura para contornar os imprevistos do dia a dia. Mas a empresária não pensa duas vezes ao afirmar que seu casal de filhos é prioridade na sua vida. “Acho que mais importante que o tempo é a qualidade do relacionamento que traz o compartilhar espontâneo na família, o lugar onde a gente se encontra”, diz.
Essa característica sensitiva, tão presente no seu cotidiano, é apontada por ela como o grande diferencial da mulher empreendedora, principalmente no que diz respeito a relacionamento com clientes e colaboradores. “O respeito vem através do reconhecimento de uma competência, e se nos colocamos com segurança ganhamos espaço. O preconceito existe, e enfrentá-lo calmamente faz parte do processo de eliminação do mal.”